Quem vê a cumplicidade genuína entre mãe, filho e a bandeira LGBTQIA+ não imagina que há duas décadas, a auxiliar de manutenção Márcia Barreto já estava ali por Walisson. O menino tinha 7 anos quando Campo Grande foi palco da 1ª Parada Gay, em 2001. De lá pra cá, muita coisa mudou em nomenclatura, políticas públicas, conquistas de direitos e no abraço deles.
“A primeira vez que ela veio, saiu de casa falando que ia numa reunião política e não ia levar a gente. Só que ela apareceu na televisão e a gente viu”, entrega o operador de logística Walisson Barreto Oliveira, aos risos.
A mãe explica que foi pelo filho que fez questão de participar da 1ª Parada. “Eu já sabia, no meu coração de mãe, eu já sabia. Ele tinha 7 anos, e eu venho para apoiar, porque a gente tem que amar nossos filhos, respeitar. Eles não podem ter preconceito dentro de casa. Se eles são acolhidos em casa, a vida se torna mais fácil lá fora”, narra Márcia.
Em 2023, é a segunda vez que os dois juntos saem às ruas na Parada da Cidadania e do Orgulho LGBTQIA+, depois que Walisson venceu o preconceito que tinha consigo mesmo. “Descobri que ser verdadeiro é mais gostoso e me sinto honrado, porque tem muitas mães que escondem os filhos de medo de chacota, ofensas, e ela não. Ela me mostrou que sou importante, sou amado independentemente da minha sexualidade”.
São histórias como estas que há 20 anos levantam a bandeira LGBTQIA+ pelas ruas do Centro da Capital. Cabeleireira e maquiadora, Skarlath Almeida Silva participou de todas as paradas, quando ainda aconteciam na Praça Ary Coelho. Hoje, ver a proporção que o evento se tornou sendo parte dele é descrito como “maravilhoso”.
“Estar na Parada é um momento único para mim que estou desde a primeira vez. Estar aqui é um sentimento de renovação e conquista, porque a gente vive uma rotina de preconceito, de LGBTfobia, e não é fácil você sobreviver de um ano para outro, é uma vitória em direitos conquistados, na liberdade de expressar quem nós somos sem os olhares que nos reprovam no dia a dia”, reflete.
A 20ª Parada da Cidadania e do Orgulho LGBTQIA+ trouxe para as ruas o colorido da bandeira do arco-íris e milhares de mãos e gritos de resistência não só da comunidade de Campo Grande como também caravanas de Anastácio, Aquidauana, Dourados, Naviraí, Ponta Porã, Coxim e Corumbá.
Do alto do trio, no percurso feito a partir da Rua Barão do Rio Branco passou pelas ruas Padre João Crippa, Dom Aquino e Avenida Calógeras, a precursora do movimento, presidente de honra da Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul e realizadora da Parada, Cris Stefany entoa o significado de cidadania.
“A rua é nossa, e nós precisamos ocupar estes espaços, precisamos dizer para a população campo-grandense o quanto nós somos acolhedores, e que não tem espaço para LGBTfobia em Campo Grande, que não tem espaço para racismo, discriminação”, diz Cris.
Resistência e Direito
De cocar cor de rosa e a faixa de Miss Trans Plus Size, a acadêmica de Serviço Social Samantha Terena é uma das pessoas que saiu às ruas levando orgulho. “Sou uma mulher trans indígena, e o que significa isso? Resistência, garra e coragem de quem quer igualdade e respeito pela nossa identidade”, milita.
Subsecretário de Políticas Públicas LGBTQIA+, Vagner Campos, enfatiza a importância da 20ª Parada da Cidadania e do Orgulho. “Sinaliza que Mato Grosso do Sul tem políticas públicas voltadas para essa população. Este é o momento de celebrar as conquistas, e mostrar o quão fundamental é fazermos essa parceria Governo do Estado, Prefeitura de Campo Grande e sociedade civil para levarmos às ruas uma parada cada vez mais organizada, produzida e que tem a figura da Linn da Quebrada fechando a nossa luta”.
Com a plaquinha feita de papelão, Elis Brittes Onça, chegou à praça acompanhada da mãe para ensinar muita gente grande sobre o direito de ser e amar quem quiser. A menininha deu o recado do que deseja para a mãe e toda população LGBTQIA+.
“Aqui está escrito direito. Direito a ser respeitado, a amar, a dignidade e a viver. É o conceito que eu queria passar”, explica Elis do alto dos seus 8 aninhos.
Militar, a mãe sempre explicou à filha que teve um relacionamento com o pai e hoje se relaciona com uma mulher. “Ela cresce num mundo que cada vez tem avançado e conquistado mais. No entanto, algumas pessoas são preconceituosas”, contextualiza Anna Brites. Quando as duas pensaram num cartaz, Anna incentivou a filha a pensar. “Disse a ela para pensar o que era importante escrever. Ela falou respeito, e eu explique que mais do que respeito, tem gente que é agredida, que morre, aí a Elis disse: ‘já sei, direito’, e foi escrevendo quais direitos, a única palavra que sugeri foi dignidade, que ela ainda não conhecia”, descreve a mãe.